VIDAS INTERROMPIDAS…

VIDAS INTERROMPIDAS…

Morte! Já perdi a conta de quantas vezes falei sobre este assunto tão evitado por todos os viventes, já perdi a conta de quantas as vezes a desejei…

Sou má pessoa ….por querer descansar mais cedo do que me é devido?!…

Estou condenada, bastou 15 anos neste mundo para ter a certeza de que estou condenada a uma vida aborrecida, sem amor, sem carinho, apenas dor! Não sou como tu especial, bela ou incrível, não sou como tu, não sou digna de ser recordada por outro, porque eu não sou ninguém!

Sou um corpo sem identidade que vagueia num mundo que há muito deixei! Faço um pedido não chorem por mim….Morte nos teus braços vou viver!” (H.M. 15 anos)

O suicídio na adolescência é, a nível global, a segunda causa de morte nesta faixa etária – a terceira mais comum em rapazes (após acidentes de viação e causas violentas) e a primeira em raparigas entre os 15-19 anos, constituindo um problema relevante de saúde pública. Em Portugal, a taxa de suicídio na adolescência (15-19 anos) tem sido sinalizada como uma das mais baixas da Europa, no entanto, a prevalência das “mortes de causas indeterminadas” poderá conduzir à sua subestimação.

A adolescência é um período  que se pauta pela instabilidade física e emocional em parte pela mudança rápida de humor e emoções. O seu novo papel na sociedade traz consigo um comportamento de questionar os valores e todas as modificações de que o jovem é alvo (físicas, cognitivas e emocionais) conduzem a uma predisposição a novas experiências e a um  testar de atitudes e limites que poderão em última instância ameaçar a saúde. As razões subjacentes ao suicídio, ou tentativas de suicídio, na adolescência podem ser complexas. É frequente observarmos que estes comportamentos assentam em sentimentos de grande ambivalência, registando-se uma clara oscilação no que respeita à intencionalidade suicidária, sendo difícil (ou mesmo impossível) a análise retrospetiva quanto à sua intencionalidade. Por outro lado, um comportamento que começa como suicidário poderá evoluir para um sem intencionalidade de morte, e vice-versa. Não esquecendo que um comportamento auto-lesivo (CAL) não suicidário poderá ele mesmo constituir um comportamento letal.

E quem está em maior risco?

Apesar de serem escassos os estudos por razões éticas, a investigação sugere que a combinação de fatores de risco (distais e proximais), que pode variar ao longo do tempo,  aumenta a probabilidade do adolescente adotar comportamentos auto-lesivos ou até efetuar uma tentativa de suicídio. Nos primeiros (distais) incluem-se fatores que apontam para uma maior vulnerabilidade do jovem efetuar uma tentativa de suicídio, como baixa auto-estima, impulsividade, perturbações psiquiátricas diagnosticadas (e.g. depressão, ansiedade, pert. Personalidade, Consumo de Substâncias, entre outras); conflito familiar crónico; dúvidas ou questões permanentes que se prendem com a sua sexualidade (maior risco em jovens homossexuais ou bissexuais) ou claro está a existência de tentativas anteriores do próprio ou na sua história familiar. No que respeita aos fatores proximais falamos dos acontecimentos de vida stressantes recentes que poderão precipitar este tipo de comportamentos. Contamos com uma história de abuso sexual ou físico; episódios de bullying, dificuldades académicas marcadas, dificuldades significativas no seu funcionamento diário reativas a uma doença física ou lesão, conhecimento e/ou exposição a suicídio de alguém querido, ou próximo, a acessibilidade dos meios (e.g. armas, medicação), entre outros.

Neste seguimento, não podemos deixar de reflectir sobre o efeito de “contágio social” que poderá ter a revelação de algumas figuras públicas de recorrerem a comportamentos deste tipo como forma de lidar com a sua dor, colocando os mesmos nas “luzes da ribalta”; ou mesmo os inúmeros vídeos e sites existentes on line a ilustrar e a quase glorificar esta problemática. Também a descoberta de um amigo/ par do seu grupo de pares de pertença, poderá ser vista como uma normalização e aceitação deste comportamento.

Note-se neste sentido a polémica que envolveu a estreia da célebre série na Netflix “ 13  razões porquê” que rapidamente captou a atenção do público a nível mundial. A série retrata a morte de uma jovem de 17 anos quase romantizando a temática em questão.  Com a voz de Hannah Baker a sair de uma velha aparelhagem, em tom firme, seguro e com grande clareza, lançam-se os grandes temas de “Por Treze Razões”: suicídio, culpa, vingança, bullying e violência entre adolescentes. É verdade que é fundamental a reflexão sobre as problemáticas em questão, eu diria até que é urgente numa linha preventiva, mas de uma maneira não filtrada, podem-se correr “riscos” com os “adolescentes mais frágeis, do ponto de vista emocional”, levando-os a ter “comportamentos de imitação — não necessariamente do suicídio, mas de comportamentos autodestrutivos, pois não podemos negligenciar a tendência da distância que há dos pensamentos ao ato (nos adolescentes) a ser  curtíssima.

Muitas vezes o jovem que faz(pensa) (n)uma tentativa de suicídio apresentou alguns sinais prévios que importa reflectir. Adolescentes que estão a pensar em suicídio podem:

  • Falar sobre suicídio ou morte no geral (com frequência). Ou mesmo verbalização de pensamentos estranhos.
    • Insinuar /dar pistas de que não vão estar cá por muito tempo.
    • Falar sobre desesperança ou sentirem-se culpados.
    • Isolar-se/afastar-se de amigos e/ou família.
    • Escrever músicas, poemas, textos/cartas sobre morte, separação ou perda.
    • Dar pertences importantes para si a amigos, familiares.
    • Perda de interesse/desejo em participar em actividades, coisas outrora apreciadas.
    • Dificuldade em concentrar ou pensar com clareza.
    • Alterações nos padrões de apetite e/ou sono.
    • Envolver-se em comportamentos de risco.
    • Perda de interesse no desporto e/ou escola.
    • Alteração e cuidado pobre da sua apresentação.

    O que podem pais/professores fazer?

É difícil por vezes relembrar como foi ser adolescente, aquela zona cinzenta em que já não se é criança mas também ainda não se tem os mesmos privilégios e direitos dos adultos.

Compreender a depressão na adolescência pode constituir um desafio, pois a sua apresentação poderá ser diferente do que se acredita ser comum. Por exemplo poderá surgir sob a forma de problemas com amigos, nas notas, no sono. Ou com a predominância do humor irritável e rabugento por oposição ao humor triste e choro fácil que facilmente associamos à depressão. Manter um olhar atento e cuidado no jovem que parece triste/depressivo e isolado é fundamental.

É imprescindível uma atitude não crítica face ao comportamento do jovem, e procurar perceber o que levou e leva a querer magoar-se, o foco deverá ser ajudá-lo a exteriorizar o que sente. Não significa isto que não possa, ou deva, partilhar o que sente, aliás até é importante que o jovem perceba que às vezes é normal sentir-se assoberbado pelas emoções e assim trabalharem nas VOSSAS emoções. Por vezes os pais receiam que ao falar sobre este tema, possam reforçar os comportamentos do adolescentes. Se o jovem grita por atenção dê-lhe, OIÇA-O! E neste sentido, foque-se não no comportamento e em cessá-lo, mas no que está a provocar o mesmo.

A comunicação é fundamental! Expresse a sua preocupação e amor. Faça perguntas sobre as mudanças que nota. Entenda-se, e.g. que uma discussão com um amigo ou o término do namoro poderá não parecer de grande importância, afinal o “tempo cura tudo”, mas para o jovem a vivência daquela poderá ser imensamente doloroso e desesperante. É muito importante não desvalorizar o que o jovem verbaliza sentir! Pois poderá potencializar o seu sentimento de desesperança. Se o seu filho não se sente confortável a falar consigo, sugira alguém neutro, um familiar, tio, tia, avós, professor/treinador ou mesmo a ajuda de alguém especializado. Não minimize estes comportamentos. Provavelmente a sua filha (ou filho) não precisará de ser hospitalizada, a não ser que tenha ideias de morte marcadas  (e com um plano claro do que faria)  ou se os comportamentos auto lesivos são de tal forma que coloquem a sua vida em perigo. O primeiro passo deverá ser procurar ajuda especializada que o ajude a “ler” o que está a acontecer. O suicídio é na verdade uma solução definitiva para um problema temporário.

Mostre-se disponível para ouvir sem crítica, a probabilidade é que ela/e queira falar, pedir ajuda e não saiba como ou tenha demasiada vergonha ou medo de pedir ajuda e perder o seu amor. Dessa forma fale com a sua filha (ou filho) apenas quando sentir que está calmo e é capaz de ouvir TUDO o que ela possa ter a dizer!  A sua atitude é determinante! Pergunte abertamente se pensam em suicídio, ou em se magoar, falar sobre a temática não potencializa a mesma ou o ato em si. Pode dizer algo como “ Tenho notado que tens falado muito sobre morte e querer morrer. Tens pensado em matares-te?”

https://www.sympla.com.br/voce-nao-esta-sozinho-parte-i-uma-conversa-sobre-ansiedade-depressao-e-suicidio__357627

Quero que saibas que te amo incondicionalmente! Estou aqui para te ajudar…. não estou zangada ou desiludida contigo! Não estou aqui para te castigar… estou disponível quando tu te sentires confortável para falarmos do que está a acontecer, do que está a sentir!”
Em suma, a literatura e a experiência ditam, observe, descreva e fale abertamente do que vê e pergunte. Na dúvida procure AJUDA para si, para o jovem, para AMBOS!

As palavras certas  podem realmente fazer diferença!

Artigo desenvolvido por:

Sónia Fernandes, Psicóloga Especialista em Clínica e na Saúde

PIN – Centro de Desenvolvimento

https://estrelaseouricos.sapo.pt/temas/pedagogia/vidas-interrompidas-21781.html