Durante a sua vida, muitas pessoas experimentam substâncias potencialmente produtoras de dependência. Diferenças em termos de constituição genética explicam uma parte importante das variações no consumo de substâncias psicoativas e o próprio desenvolvimento de dependência em determinados indivíduos.
Mas existem também diferenças individuais quanto a esta vulnerabilidade derivadas de vários fatores biológicos, pessoais, familiares, sociais, culturais, ambientais e relacionados com cada substância utilizada que se conjugam para aumentar ou diminuir as probabilidades de um qualquer indivíduo vir a usar uma substância. Muitos desses fatores não estão associados apenas à experimentação ou ao uso inicial de uma substância, mas também aos processos que levam ao seu uso regular e continuado, bem como à sua interrupção (Vaillant, 2004; OMS, 2004, Ferreira-Borges et al., 2004).
Para alguns indivíduos, o uso continuado de uma substância carateriza-se por um aumento do consumo de forma a dar resposta a neuro adaptações e à progressiva presença de uma síndrome de abstinência caraterizada por uma necessidade urgente de repor uma determinada substância no organismo, de forma a evitar os sintomas fisiológicos, cognitivos e emocionais caraterísticos de uma dependência física.
Os mecanismos neurobiológicos que estão na base desta dependência foram já propostos para uma série de substâncias. Basicamente, e com a administração crónica, verifica-se a ocorrência de uma série de neuro adaptações (a nível genético, molecular e celular) em regiões distintas do cérebro (em especial no mesencéfalo, estriado, tálamo, córtex pré-frontal e áreas límbicas) que reagem aos efeitos das substâncias no sentido de manter a homeostase interna, o que é visível através do desenvolvimento da tolerância (em termos gerais os neurónios adaptam-se a uma exposição repetida da substância, só funcionando na sua presença).
Quando o uso da substância é interrompido, estas neuro adaptações persistem, o que se evidência pelo síndrome de abstinência. O desconforto provocado por estas alterações e a evitação da síndrome de abstinência é também uma poderosa motivação para continuar a usar pelo que a desintoxicação ganha, neste caso, um papel primordial na intervenção.
Paralelamente a estas caraterísticas, podem ainda manifestar-se outros aspetos relacionados com uma associação e memorização de todo o contexto de utilização de uma substância e os seus efeitos, uma vontade intensa (craving) de usar, uma perda de controlo em relação à decisão de usar ou não e um padrão compulsivo de busca e utilização da substância, que podem persistir para além da desintoxicação e explicam em parte as recaídas após longos períodos de abstinência. Estes aspetos correspondem ao desenvolvimento de processos mentais complexos que caraterizam um tipo de dependência mais comportamental (Kaplan et al., 1997), conhecida como a adição.
Filho, C. F.-B. (2007). Intervenções Breves: Tabaco – Manual Técnico e Cd-Rom. Lisboa: Rolo & Filhos II, S. A. – Mafra.